O risco invisível do sedentarismo

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Outro dia estava conversando com um amigo que está iniciando a jornada de empreendedor e chegamos no famoso texto de Paul Graham, Do Things That Don’t Scale. A discussão era sobre esforço inicial, sobre o valor das ações que parecem pequenas e trabalhosas, mas que moldam as bases de algo duradouro. Em algum ponto, a conversa desviou para saúde. E lembrei de um estudo que pode parecer técnico demais à primeira vista, mas que carrega uma lição simples e poderosa: pessoas sedentárias “saudáveis” já apresentam sinais claros de disfunção metabólica, mesmo antes de qualquer sintoma aparecer, e um esforço relativamente pequeno inicialmente pode ser o começo para construir um corpo resiliente.

O estudo é um preprint (estudo que precisa passar pelo revisão por pares) liderado por Iñigo San-Millán, pesquisador da Universidade do Colorado e um dos maiores especialistas em metabolismo mitocondrial. A tese central é direta e dura: uma pessoa sedentária não tem como estar saudável. Apesar de muitas vezes não existirem sintomas, lá dentro das células, os problemas já começaram.

O que foi feito e o resultado

Os pesquisadores analisaram profundamente o metabolismo de 19 homens de meia idade, divididos entre dois grupos:

  • Ativos (AC): 10 indivíduos que praticavam pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana, com histórico de pelo menos 6 meses.

  • Sedentários (SED): 9 indivíduos que não realizavam exercícios regulares.

Foram feitas biópsias musculares, testes de esforço com lactato, análise de oxidação de substratos, proteômica, metabolômica e avaliação mitocondrial. O objetivo: entender o que muda dentro do corpo antes da doença surgir.

Mesmo em repouso, os sedentários apresentaram:

  • Função mitocondrial comprometida: Capacidade de produção de ATP 30% menor. Complexo I 36% abaixo. Complexo II, 28%.

  • Problemas no uso de carboidratos: A oxidação mitocondrial do piruvato estava 37% menor. A expressão do transportador MPC, reduzida em 49%. A glicose até entra na célula, mas o problema está dentro dela.

  • Dificuldade para usar gordura como energia: A oxidação de ácidos graxos caiu 35%. As enzimas CPT1 e CPT2 (cruciais para o transporte de gordura até a mitocôndria) estavam 51% e 44% mais baixas, respectivamente.

Durante o exercício, os resultados foram ainda mais evidentes:

  • VO₂ máx 31–38% menor.

  • Potência máxima reduzida em 35–42%.

  • Lactato sanguíneo 60–70% mais alto em intensidades leves.

  • Capacidade de oxidação de gordura severamente prejudicada.

  • Depuração de lactato muito inferior.

Um novo modelo para entender o diabetes tipo 2

Talvez o achado mais importante tenha sido o que o estudo propõe como nova explicação para o início das doenças metabólicas. Ao contrário do que se pensava, o problema pode não começar nos receptores de insulina na membrana celular. Pode começar nas mitocôndrias. A falha energética precede a resistência à insulina.

Os pesquisadores destacam também a cardiolipina (um fosfolipídio essencial para a arquitetura mitocondrial) como marcador alterado nos sedentários: havia menos cardiolipina, e sua composição estava desorganizada. Isso compromete a produção de energia de forma estrutural, e não apenas funcional.

O que isso significa na prática

  1. Estar “assintomático” não é o mesmo que estar saudável: O declínio metabólico pode começar muitos anos antes do primeiro exame alterado. O corpo avisa em silêncio.

  2. O exercício transforma sua biologia mitocondrial: A diferença entre os grupos não era genética, nem ambiental. Era comportamento. Quem se move regula melhor o uso de oxigênio, gordura e glicose.

  3. Há correlações práticas: A oxidação de piruvato em repouso se correlacionava com os níveis de lactato durante o exercício. O desempenho mitocondrial explicava, em parte, o cansaço precoce. Ou seja: aquilo que parece apenas "falta de fôlego" pode ser reflexo de uma mitocôndria subutilizada.

O que você pode fazer

  • Comece com 150 minutos de atividade moderada por semana: Foi o critério mínimo adotado no grupo ativo. E, segundo os autores, suficiente para já apresentar diferenças metabólicas marcantes.

  • Comece devagar, mas comece: Mesmo atividades simples, como caminhadas rápidas, podem fazer diferença.

  • Sonhe grande, mas comece pequeno: Paul Graham sugere: no início de um projeto, faça o que não escala. Recrute cliente por cliente, manualmente. O corpo funciona da mesma forma. É nos treinos pequenos e constantes que seu corpo, sua “empresa” biológica, se estrutura.

Se você está em busca de longevidade, há poucas estratégias tão eficazes quanto treinar suas mitocôndrias. A dieta é importante. Os suplementos podem ajudar. Mas se você ainda não se mexe com frequência, o corpo inteiro opera com eficiência reduzida. Não espere pelo sintoma. O movimento é o seu investimento mais seguro.

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