Imagine um check-up diferente: o médico começa olhando sua propensão genética para dezenas de doenças — variações espalhadas pelo genoma que aumentam (ou reduzem) seu risco. Em seguida, ele pesquisa segmentos de DNA com padrão tumoral circulando no seu sangue: um sinal precoce de que um pequeno tumor pode estar surgindo em algum órgão, o que pode antecipar uma endoscopia ou outro exame localizado e, assim, aumentar muito as chances de detectar um câncer em fase inicial. Depois, abre sua análise epigenética e vê que seu ritmo de envelhecimento está desacelerado (ótima notícia), mas que a idade biológica do seu sistema musculoesquelético parece cinco anos “mais velha” que sua idade cronológica. A implicação prática é direta: começar musculação para preservar função e mobilidade. Relatórios de metaboloma, transcriptoma, proteoma e microbioma completam o quadro e podem motivar mudanças na dieta, a introdução de um suplemento específico ou até a consideração de um medicamento em dose não usual, sempre com foco em prevenir uma condição crônica antes que ela apareça. Ao contrário do tom futurista, todos os exames descritos já existem e estão disponíveis hoje.

O que são “ômicas”

As ciências ômicas mapeiam, em larga escala, diferentes camadas biológicas: genômica (DNA), epigenômica (marcas que regulam genes), transcriptômica (RNAs), proteômica (proteínas), metabolômica (metabólitos), microbioma (comunidade microbiana) e outras. Cada ômica oferece uma lente distinta sobre a saúde — de predisposições herdadas a sinais dinâmicos de estresse e envelhecimento. Integradas, permitem diagnósticos mais precoces, estratificação de risco personalizada e avaliação objetiva do efeito de intervenções ao longo do tempo.

Como fundador da Genera, há 15 anos, acompanhei de perto essa evolução. Hoje, por um teste genético de menos de mil reais pela saliva, conseguimos estimar o risco para dezenas de doenças. No meu caso pessoal, por exemplo, identifiquei um risco genético aumentado para doença celíaca, uma intolerância grave ao glúten. Considerando as mais de 500 mil pessoas que já fizeram o teste da Genera e toda informação laboratorial que temos na Dasa, sabemos que aproximadamente 4% das pessoas com risco semelhante ao meu desenvolveram doença celíaca, contra praticamente 0% entre quem tem risco médio ou baixo. Essa informação me levou a reduzir a ingestão de glúten e a monitorar sintomas de forma proativa — uma mudança de comportamento concreta nascida da genômica.

A epigenética

Saindo da genética para a epigenética, os testes que estimam “idade biológica” (relógios epigenéticos) viraram ferramenta central na pesquisa científica e, mais recentemente, começaram a migrar para a prática clínica. Diferentes algoritmos conseguem estimar a idade de organismos, órgãos, o ritmo de envelhecimento e quanto tempo a mais temos de vida. No meu caso, meu DunedinPACE mostrou uma desaceleração de 20% no meu ritmo de envelhecimento, ou seja, estou “envelhecendo 9 meses por ano”. O teste da minha esposa, que tem hábitos muito semelhantes aos meus, mas corre meia maratona, apresentou 36% de redução — um dado que motiva ajustar hábitos (ela me incentivou a correr!). Acompanhamentos assim, considerando as limitações de uma ciência emergente, ajudam a avaliar intervenções de estilo de vida e tratamentos em busca de mais anos com saúde.

A biópsia líquida é um bom centro para entender a multiômica aplicada à longevidade: a análise de DNA, exossomos, RNAs e proteínas circulantes em nosso sangue permite detectar doenças silenciosas, monitorar respostas terapêuticas e orientar intervenções precoces. Juntamente com metaboloma, proteoma, lipidoma, imunômica e microbioma, formamos um ecossistema de dados que converte sinais moleculares em ações clínicas concretas — prevenção ativa, rastreios individuais e recomendações personalizadas.

Toda essa revolução no cuidado à saúde está no seu início. Ainda temos muito que medir e comprovar o impacto positivo em escala populacional. Mas os sinais indicam que estamos caminhando para a medicina P4 (preventiva, preditiva, personalizada e participativa), em que cuidamos da saúde antes da doença, aplicamos intervenções individualizadas e colocamos o indivíduo no centro das decisões. Isso não é ficção científica: é o presente avançando rapidamente para um cuidado mais inteligente e eficaz.

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