A discussão sobre longevidade costuma começar pelo que é mensurável. Quantos minutos de exercício, qual o nível de ApoB, quanto seu VO₂max aumentou, qual o impacto de determinados alimentos na inflamação. Mas existe um campo inteiro que permanece invisível aos laboratórios e, mesmo assim, influencia comportamentos, decisões, resiliência, a forma como enfrentamos o sofrimento e muito mais. Esse campo é a espiritualidade. Um estudo publicado no JAMA fez uma varredura em quase nove mil artigos e selecionou apenas aqueles com metodologia impecável, chegando a 371 estudos rigorosos sobre doenças graves e 215 sobre saúde geral. Essa síntese se tornou uma das análises mais robustas já publicadas sobre espiritualidade e saúde. E a conclusão é: a espiritualidade tem impacto mensurável na saúde, na mortalidade e no bem-estar. É ciência, não opinião, apesar de também ser minha convicção. ;)

A revisão identificou consistentemente que a frequência regular a comunidades espirituais não apenas reduz a mortalidade em cerca de 30% ao longo dos anos, mas também se associa a menos depressão, menos pensamentos suicidas, melhor qualidade de vida e maior tendência a comportamentos saudáveis. Em vários estudos, quem participava semanalmente dessas comunidades também apresentava menor uso de álcool, cigarro e drogas. Esses efeitos apareceram em diferentes populações, níveis socioeconômicos e tradições culturais. E um padrão chamava atenção: quanto mais regular a prática, maior o efeito observado.

O estudo também mostrou um contraste que merece atenção. Em pacientes vivendo doenças graves, entre 71% e quase todos os entrevistados afirmavam que espiritualidade era importante. Ao mesmo tempo, entre metade e mais de 90% relatavam que suas necessidades espirituais não eram acolhidas pelo sistema de saúde nos momentos em que mais precisavam. Isso revela uma desconexão profunda entre aquilo que as pessoas vivem e aquilo que o sistema de saúde reconhece como parte do cuidado. E deixa evidente o ponto central do artigo: não existe cuidado centrado na pessoa que ignore sua dimensão espiritual.

Mas existe uma camada que a ciência não alcança. A espiritualidade tem efeitos mensuráveis, mas não se limita ao que é mensurável. Ela não é apenas um conjunto de práticas. É uma experiência. É a percepção de que a própria vida faz parte de algo maior e que esse “algo maior” reorganiza a forma como enfrentamos sofrimento, incerteza e propósito. A ciência pode descrever que espiritualidade reduz risco de depressão, mas não explica a transformação que acontece quando alguém, em um momento difícil, encontra sentido que não depende do resultado final, e encontra uma esperança que também não depende do resultado final. A ciência pode medir uma redução de mortalidade, mas não traduz o que muda em quem finalmente entende que não está vivendo para si mesmo.

E esse é o ponto mais importante para longevidade. A espiritualidade não é somente um fator de proteção biológica. Ela é uma nova direção, um novo alvo. Ela determina como você entende o tempo que tem, a forma como você usa seus talentos, a coragem de fazer escolhas difíceis (mas certas) e a serenidade para lidar com aquilo que não está no seu controle. Ela te lembra que existe uma diferença grande entre viver mais e viver guiado por algo que transcende o agora.

O estudo não tenta responder o que é espiritualidade para cada pessoa. Ele apenas mostra que ignorá-la é ignorar uma parte essencial da saúde. Para quem vê a vida de forma material, espiritualidade pode parecer algo distante, quase abstrato. Mas para quem vive, é concreto. É o que ajuda a atravessar períodos difíceis mesmo quando a situação não é boa. É o que conecta você a outras pessoas e te lembra que a vida vai muito além dos números.

No final das contas, espiritualidade aparece na literatura científica como um determinante de saúde. Mas, na prática, ela é algo ainda maior. Algo que muda a forma como você caminha, decide e cuida de quem está ao seu redor e de você mesmo. Quando pensamos em longevidade, esse talvez seja o princípio mais profundo de todos: a ciência ajuda você a ganhar mais saúde e mais anos, mas é a espiritualidade que ajuda você a entender o que fazer com eles.

Gostou desse conteúdo? Quer receber semanalmente conteúdos sobre como viver mais e melhor?