De todas as modalidades, os esportes de endurance são provavelmente os que mais formam atletas “nerds” e cientistas do próprio corpo. E nos últimos anos, a Noruega se tornou o laboratório mais interessante do mundo quando o assunto é performance de verdade. Um verdadeiro celeiro de campeões. Agora, esqueça a ideia de uma fórmula mágica. O que a elite faz, na essência, é surpreendentemente simples, mas exige disciplina, paciência e uma percepção diferenciada para o próprio corpo.
Um novo estudo publicado em abril de 2025 foi ouvir diretamente 12 dos maiores treinadores da Noruega, responsáveis por mais de 380 medalhas internacionais em esportes como corrida, biatlo, remo, esqui cross-country, ciclismo, natação e triathlon. O objetivo? Descobrir o que realmente diferencia esses profissionais e o que eles podem ensinar para quem treina no “mundo real”.
A base é volume
Não tem mistério: o que realmente define o treino dos campeões noruegueses é o volume. Como diz o próprio artigo, “acumular grandes volumes de treino é o componente mais importante e consistente da filosofia deles”.
Ou seja, por mais que a intensidade chame atenção, o segredo está em horas e horas de treino, dia após dia, semana após semana.
E agora o que talvez seja o mais contraintuitivo. A maior parte desse volume — cerca de 80 a 90% — é feita em baixa intensidade, na zona em que dá para conversar. É o fundamento para criar um motor aeróbico capaz de transformar saúde, performance, a eficiência das suas mitocôndrias e consequentemente melhorar o VO2max (o índice mais usado para prever a sua longevidade) .
Para você ter ideia de como volume e baixa intensidade são importantes, olha esse gráfico mostrando a quantidade de horas por ano em cada modalidade por zona de intensidade (1 mais leve e 5 mais intensa).

É aqui que mora o segredo: o volume só traz benefício se você aguenta se recuperar. O grande erro de quem treina sem orientação é fazer, o que deveria ser fácil, “menos fácil”, acumulando fadiga sem perceber, até não conseguir sustentar semanas consistentes ou até mesmo se lesionar.
Intensidade? Com parcimônia e método
Claro, ninguém vira campeão só trotando. A diferença está em como e quando a intensidade entra no jogo. Os treinadores noruegueses concentram as sessões realmente duras em 2 a 3 dias por semana, com 3 a 5 treinos-chave, geralmente intervalados. O objetivo é acumular estímulo suficiente para evoluir sem levar o corpo ao limite da exaustão. Lembre-se aqui estamos falando de profissionais.
Resumo prático:
A maior parte do ano é construída sobre volume fácil bem feito.
Intensidade aparece de forma estratégica, nunca todos os dias.
Mesmo nos treinos fortes, existe controle absoluto para não ultrapassar o ponto e comprometer a recuperação.
O valor do treino leve: o que quase ninguém tem paciência de fazer
Para muitos amadores, treinar leve parece tempo perdido. Mas os noruegueses enxergam diferente: é o treino leve que permite acumular volume sem lesão e sustentar progresso ano após ano. O lema é: “Easy days easy, hard days hard” os dias fáceis precisam ser de verdade fáceis, para que os dias duros sejam realmente eficazes.
Esse modelo é ainda mais importante para quem vive fora do esporte profissional. Afinal, o maior risco para o amador é o excesso de motivação (e de ego), que leva a lesão, burnout e desistência. Manter-se saudável e consistente é mais valioso do que “arrebentar” em um treino isolado.
Personalização, diálogo e qualidade
Apesar de toda a ciência, os treinadores enfatizam um elemento que muita gente esquece: o diálogo constante com o atleta. O plano de treino só vira resultado quando é ajustado à resposta individual. Não existe “receita de bolo”. Por isso, o modelo norueguês está totalmente alinhado ao conceito de personalização da Medicina 4P: preditiva, preventiva, personalizada e participativa.
Monitoramento (com diário de treino, frequência cardíaca, lactato, percepção subjetiva)
Adaptação diária do plano conforme feedback físico e mental
Presença do treinador para ajustar técnica, intensidade e motivação
O que você pode aproveitar para a sua rotina
Volume importa, mas só é útil se você consegue sustentar semana após semana.
Treine leve de verdade na maioria dos dias. Tenha paciência para colher os frutos.
Intensidade é uma ferramenta. Use com método, nunca com pressa.
A individualidade é soberana: ajuste, monitore, converse. Não copie planilhas de outros.
Procure a orientação de um treinador. Mesmo para quem é amador, o acompanhamento profissional faz toda diferença para evitar erros clássicos, reduzir o risco de lesão e acelerar seu progresso de maneira saudável.
Dica prática: Quer se inspirar nos noruegueses? Reflita: você está buscando consistência ou vivendo de “picos”? Seu treino leve é realmente leve? Como está seu equilíbrio entre carga e recuperação?
No fim das contas, o verdadeiro segredo dos campeões é a capacidade de fazer o simples. Com excelência, consciência e constância. Para o atleta amador, é essa filosofia que vai transformar a saúde, a performance e, principalmente, a longevidade.
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