Por que, quando você entra numa biblioteca, começa a falar baixo? E por que, ao entrar num lugar limpo e organizado, tende a manter tudo assim?
Continuamos sendo a mesma pessoa, mas nos comportamos de modo diferente em “locais” diferentes. O que muda é o ambiente. E esse é um dos assuntos mais fascinantes que tenho estudado.
Ao estudar as teorias dos hábitos para o texto que escrevi, acabei assistindo a uma conversa recente do Charles Duhigg com o Peter Attia. Uma das perguntas finais foi: “O que mudou nas teorias de hábitos nos últimos anos? Você mudaria algo no seu livro?”. Embora muita coisa faça parte da psicologia humana e não mude (ex: o ciclo gatilho → rotina → hábito), o próprio Duhigg comenta que o estudo sobre como o ambiente afeta a vida das pessoas evoluiu muito e que, se reescrevesse o livro, provavelmente incluiria um capítulo só sobre isso.
Que o ambiente influencia não é novidade. Um dos estudos que mais impressionou foi o Rat Park, feito na década de 1970. Ratos em ambientes isolados consumiam até 20 vezes mais morfina do que aqueles no “Rat Park” (um ambiente enriquecido, com socialização, atividades e estímulos).
Essa descoberta desafiou a noção de que certas substâncias são irresistivelmente viciantes, mostrando que o contexto pode ser mais determinante do que as propriedades farmacológicas das drogas. Em um lugar bom de viver, os animais escolhiam a água sem morfina, em isolamento, consumiam até a exaustão. Parece óbvio.
Lembra do que falamos no texto sobre hábitos? Quer parar de tomar refrigerante? Não compre e tire da sua casa. Quer aumentar o consumo de alimentos saudáveis? Deixe visíveis e prontos para uso. Iluminação, organização, cheiros, circulação de ar — tudo isso também influencia.
Hoje, porém, “ambiente” vai além do físico. No mínimo, podemos falar em quatro camadas:
Ambiente físico
Ambiente social/cultural
Ambiente psicológico
Ambiente digital
Reflita sobre cada uma. Você é uma pessoa diferente não só quando o espaço muda, mas também conforme quem está ao seu lado, como seu estado interno é influenciado e, mais recentemente, como é o seu ambiente digital.
Sendo totalmente transparente com você (já que este espaço é regido pela ciência): essa classificação acima tem base parcial no tripé de Kurt Lewin (físico, sociocultural, psicológico). Mas como Kurt escreveu sobre isso nos anos 1930, bem antes da internet, a ciência só agora tem olhado de forma mais sistemática para o ambiente digital. Por isso, aqui assumo uma opinião pessoal ao tratar o digital como camada extra, pois, a meu ver, somos pessoas diferentes no online. Fique à vontade para discordar.
De todo modo, independentemente de taxonomias, é óbvio que somos influenciados pelo meio. Prestar atenção aos ambientes onde estamos pode ser a diferença entre viver ou não uma vida longa e boa. Nada muito diferente do que as Blue Zones e a história de Roseto já ensinaram.
A escolha consciente de ambientes
Esse tema ajudou inclusive a pacificar um aparente paradoxo entre Kahneman (heurísticas e vieses) e Gary Klein (tomada de decisão naturalística). Por um lado, Klein mostrou que a intuição de, por exemplo, jogadores de xadrez e bombeiros melhora com experiência. Por outro, Kahneman mostrou que, no pensamento rápido, muitas vezes erramos. Então quem tem razão? Aparentemente os dois.
Um artigo importante, escrito em conjunto pelos dois, concluiu em 2009 que o que diferencia os cenários é o tipo de ambiente (conceito de Robin Hogarth). Em um ambiente benigno (previsível, com padrões estáveis e feedback rápido), a experiência melhora muito a decisão. Em um ambiente perverso (regras que mudam, padrões pouco repetitivos e feedback tardio), a mesma confiança pode enganar.
Não há dúvidas de que onde estamos, com quem estamos e de que forma influencia enormemente nossa vida. Paul Graham escreveu sobre isso em “Por que Hubs de Startups Funcionam”. Então, te convido a refletir: os ambientes em que você passa a maior parte do tempo potencializam sua vida? Você deveria estar neles hoje? Lembre-se: não é só o físico. Mudar o ambiente também é se aproximar, se afastar ou repensar a relação com pessoas — e ainda considerar o aspecto psicológico e o digital.
Não tenho dúvidas de que um bom modelo mental seja pensar a vida também em termos de ambientes. Talvez seja hora de redesenhar os nossos ambientes, fazendo uma escolha consciente de “onde” devemos estar para termos uma vida mais longa e principalmente melhor. Isso também é ser protagonista da própria saúde.
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